Há quem diga que a crise mundial provocada pela covid-19 é o maior desafio contemporâneo em todo o mundo. Muitas das grandes, médias e pequenas empresas paralisaram suas atividades, exceto aquelas que compõem os chamados serviços essenciais.
No Brasil, em março último, foi decretado oficialmente o estado de calamidade pública em nível federal, que dentre outras possibilidades, permite ao Governo aumentar gastos públicos sem a observância da meta fiscal do orçamento, ou seja, pode-se destinar verba superior à prevista para a saúde, por exemplo.
Assim, inúmeras situações passam a ser permitidas e cabe aos poderes, em especial ao Executivo, tomarem frente à situação e editar regras com a finalidade de que o País – cidadãos, empresas e empregados – supere o momento com o mínimo de prejuízos possíveis.
Com isso, no âmbito trabalhista foi adotada dias depois pelo Presidente da República a Medida Provisória 927 para o enfrentamento no momento de calamidade pública, sendo que tratou, inicialmente, dos seguintes temas: teletrabalho; antecipação de férias individuais; férias coletivas; antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; direcionamento do trabalhador para qualificação – suspensão temporária do contrato de contrato —; e o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, isto é, permitindo o recolhimento posterior.
Todavia, após poucas horas de sua adoção, o presidente Bolsonaro informou que os artigos referentes à suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses para “participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador” seria revogado. Ou seja, esvaiu-se a possibilidade de suspensão dos contratos, por ora.
Tais acontecimentos mostram que inegavelmente muitas dificuldades decorrem do enfrentamento desta situação atual. Não seria diferente para as empresas e empregados que têm pertinentes preocupações: aqueles em lidar com seu funcionamento ou não, faturamento, despesas e folhas de pagamento prestes a vencer e estes com a manutenção de seus empregos e salários.
Foi então que no dia 1 de abril a MP 936, tão aguardada por uns e temida por outros, foi adotada na tentativa de ser uma solução imediata e talvez eficaz para a preservação das empresas e dos empregos.
Isto porque a MP 936 institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decretado pelo Poder Legislativo.
Na referida MP são tratados três temas macros: pagamento de benefício emergencial de preservação do emprego e da renda; redução proporcional da jornada de trabalho e, consequentemente, dos salários; e a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Aqui, abordam-se as principais e relevantes previsões trabalhistas trazidas pela MP, sendo que que não são aplicáveis à Administração Pública direta e indireta, empresas públicas e às sociedades de economia mista, considerando também suas subsidiárias e organismos internacionais.
Inicialmente, sobre a suspensão do contrato de trabalho e à redução da jornada e salários, tem-se que tais medidas poderão ser adotadas através de negociação coletiva, com a presença do Sindicato da categoria, portanto, ou por acordo individual entre empregado e empregador, na hipótese autorizada pela MP, sendo que neste último caso deverá ser comunicado pelo empregador ao sindicato laboral no prazo de dez dias.
A redução de jornada e suspensão do contrato somente poderá ocorrer através de acordo individual para aqueles empregados que recebam salário até R$ R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) ou aqueles cujo salário mensal seja igual ou superior a R$ 12.202,01 (doze mil duzentos e dois reais e um centavo) e que tenham diploma de nível superior. Os demais empregados poderão ser beneficiados das mesmas medidas, porém apenas através de negociação coletiva.
Todavia, como toda regra, há sua exceção: aqueles que não se enquadram nos limites salariais e que estão excluídos da possibilidade de pactuação por acordo individual, poderão fazê-lo quando a redução da jornada e salário for inferior a 25%. Isto porque, nesta hipótese não haverá recebimento do benefício emergencial pago pela União.
A redução da jornada proporcional à salarial poderá ocorrer por até 90 dias, sendo que deverá ser preservado o valor do salário-hora, pactuado por meio do acordo individual ou negociação coletiva, observado o acima; e a redução deverá observar os percentuais previstos na MP: 25%, 50% ou 70%. Ou seja, estas são as possibilidades de redução da jornada. A jornada e o salário anterior ao acordo ou negociação serão restabelecidos no prazo de dois dias da cessação do estado de calamidade pública, da data estipulada no instrumento celebrado, ou da comunicação do empregador ao empregado sobre a antecipação do fim do período de redução estabelecido.
Por outro lado, pode ser acordada também a suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo de até 60 dias, podendo ser fracionado em dois períodos de 30 dias cada. Tal medida pode ser tomada através de acordo individual escrito, que deve ser encaminhado ao empregado com antecedência de pelo menos dois dias ou por negociação coletiva, a depender do salário percebido pelo empregado, conforme mencionado acima. Durante esta suspensão serão mantidos ao empregado todos os benefícios concedidos pelo empregador ao empregado; e o recolhimento ao INSS poderá se dar na qualidade de segurado facultativo.
Adotada a suspensão pelas partes, o contrato será restabelecido no prazo de dois dias corridos da cessação do estado de calamidade pública; da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento dele; ou comunicação do empregador acerca da antecipação do fim do período de suspensão pactuado. Ou seja, existe a possibilidade de o empregador antecipar o fim da medida, retornando a situação ao estado anterior.
Importante que, nesta hipótese, não poderá o empregado exercer qualquer atividade de trabalho para o empregador, ainda que parcial ou por meio de teletrabalho, sob pena de ficar descaracterizada a suspensão, situação em que o empregador deverá arcar com o pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período e demais penalidades e sanções previstas em Lei ou em negociação coletiva.
A MP trouxe certa limitação para aquelas empresas que tiverem auferido no ano de 2019 receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Isto porque estas somente poderão utilizar da suspensão do contrato de trabalho mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% do valor do salário do empregado.
Quanto ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, para sua percepção, caberá ao empregador, no prazo de 10 dias da celebração do acordo individual ou negociação coletiva, quanto à suspensão do contrato ou redução da jornada, informá-lo ao Ministério da Economia.
A comunicação dentro prazo acima mencionado pelo empregador quanto à celebração é de extrema importância, uma vez que na ausência desta o empregador arcará com diversos custos, além de outros prejuízos ao empregado, dentre eles destaca-se: será o empregador responsável pela remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.
Tem-se que tal benefício deverá ser pago mensalmente, enquanto durar a redução da jornada ou suspensão do contrato, pelo Poder Público, através dos recursos da União nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e na suspensão temporária do contrato de trabalho. O recebimento deste benefício independe de qualquer período aquisitivo pelo empregado, tempo de vínculo e número de salários recebidos. A MP também prevê critérios para fixação do valor a ser pago, sendo que sua base é o seguro-desemprego.
O benefício aqui tratado poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em virtude da situação excepcional, sendo que esta ajuda deverá ter valor definido no acordo individual ou negociação coletiva, terá natureza indenizatória e, portanto, não integrará a base de cálculo de diversos encargos e impostos, inclusive de caráter tributário.
Outro ponto bastante importante é que ao empregado que receber o benefício em virtude destas medidas será reconhecida a garantia provisória, ou seja, apenas poderá o contrato ser rescindido através de pedido de demissão ou dispensa por justa causa, enquanto durar o prazo do acordo/negociação e após o restabelecimento da jornada e de salário ou do encerramento da suspensão, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão. A dispensa sem justa causa impõe ao empregador a obrigação ao pagamento de indenização, sendo que a MP traz seus parâmetros, além do pagamento das verbas rescisórias de praxe.
Ou seja, ao optar por uma das medidas trazidas pela MP 936 os dois lados da relação jurídica trabalhista, forçadamente em virtude da situação, é claro, cedem. A empresa cede quanto à mão de obra, que será reduzida e, consequentemente terá afetada sua produção ou serviço. O empregado cede quanto ao seu salário, que sofrerá alterações. Por outro lado, são trazidos benefícios para ambas as partes: possibilidade de reestruturação e organização da empresa para enfrentar o momento, sem necessidade de dispensa em massa, e ao empregado a manutenção do emprego, com possibilidade de recebimento de benefícios pago pela União, garantia provisória, sem contar o fato de que a implementação das medidas aqui discutidas não obstam ou prejudicam o recebimento de seguro desemprego em situação de desemprego posterior e até mesmo indenização suplementar caso seja dispensado dentro do período de garantia.
Por fim, vale ressaltar que a Medida Provisória, ainda que tenha força de Lei, como o próprio nome sugere, é temporária e necessita de aprovação pelo Congresso Nacional, assim como todas as demais para que seja transformada em Lei. Todavia, os atos praticados sob a vigência da Medida são plenamente válidos, eis que produz efeitos imediatos.
Fonte:Giovana Abreu de Angelis é advogada do Briganti Advogados/Estadão