REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. INDENIZAÇÃO (ART. 27, ‘J’, LEI 4.886/65). ADVOCACIA PREVENTIVA. EVITANDO LITÍGIOS
Uma das maiores causas (e talvez a mais dispendiosa) dos conflitos percebidos ao fim de contratos de representação comercial está atrelada à indenização prevista pelo art. 27, j, da Lei nº 4.886/65.
O referido dispositivo legal estabelece que, sempre que o encerramento da prestação de serviços ocorrer, sem justo motivo (art. 36), por iniciativa da representada ou, com justo motivo (art. 35), por iniciativa da representante, a primeira pagará indenização à última, em valor não inferior a 1/12 da soma de todas as retribuições auferidas durante a relação.
Em razão das implicações econômicas da aludida norma, muitos contratos passaram a ser redigidos com inclusão de cláusula estipulando o adiantamento mensal da importância calculada a título de indenização, ou seja, prevendo que, além da comissão devida, a representada pague à representante, mês a mês, ao longo da vigência da representação, valor adicional equivalente a 1/12 dessa, como forma de antecipar/parcelar a indenização a que, eventualmente, faria jus no futuro.
Tal prática, inegavelmente, parece importar certas vantagens para ambas as partes, pois a representada evita, em tese, o risco de se ver obrigada a despender grande quantia, de uma única vez, ao fim da contratação, enquanto a representante recebe acréscimo mensal em seus rendimentos ao qual poderia jamais vir a ter direito caso a relação terminasse motivada por circunstâncias diversas das hipóteses elencadas nos arts. 35 e 36 da Lei nº 4.886/65.
Contudo, trata-se de medida temerária, já que a (i)legalidade do adiantamento de indenização tem sido objeto de grande divergência no universo jurídico, sob argumentos, por exemplo, de que a cláusula que o previsse seria nula, de que ofenderia a função social do instituto da reparação de danos, de que caracterizaria, como via de regra, fraude e de que, ao final, caso não verificado fator impositivo do pagamento, ter-se-ia o problema do enriquecimento sem causa proporcionado à beneficiária.
Analisando a jurisprudência brasileira, encontram-se diversas decisões refletindo tal insegurança, mostrando-se conflitantes entre si, inclusive no âmbito de um mesmo órgão julgador, ora chancelando e ora repudiando a antecipação, conforme ilustram os precedentes adiante transcritos, todos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
A FAVOR DA ANTECIPAÇÃO (pela sua legalidade):
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CASO CONCRETO. INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 27, J, DA LEI DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. AVISO PRÉVIO. VALIDADE DA DISPOSIÇÃO CONTRATUAL QUE POSSIBILITA A ANTECIPAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. (…). POR UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70045029006, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 16/05/2012)
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. (…) Não há vedação legal a que a indenização do art. 27, letra “j” da Lei n.º 4886/65, exsurgente da ruptura imotivada, seja antecipada mensalmente ao longo da contratualidade e acrescida ao volume mensal das comissões e tal prática, salvo situação excepcional de abusividade comprovada, não pode ser considerada ipso facto ilegal e muito menos considerá-la parte integrante da comissão, se escorreitamente pactuada em contrato escrito. (…) APELAÇÃO DESPROVIDA (Apelação Cível Nº 70035731694, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 06/07/2011)
CONTRA A ANTECIPAÇÃO (pela sua ilegalidade):
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. PAGAMENTO ANTECIPADO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 27, J, DA LEI N. 8.66/65. NULIDADE. (…) Considerando-se que a Lei n. 4.866/65, em seu art. 27, “j”, estabelece a fração e a base de cálculo para fins de indenização em caso de denúncia imotivada de contrato de representação comercial, não podem as partes previamente estabelecer critérios diversos de indenização, quanto mais em prejuízo do representante. A cláusula que contraria expressa disposição legal é nula de pleno direito. (…) DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70032473969, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 25/03/2010)
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. ADIANTAMENTO DE INDENIZAÇÃO QUE CONSISTE EM FAZER COM QUE A INDENIZAÇÃO FOSSE SUPORTADA PELA PRÓPRIA REPRESENTANTE, TORNANDO-SE UM ÔNUS PARA ESTA E NÃO UM BÔNUS COMO OBJETIVA A LEI Nº 4.886/65. (…) NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. (Apelação Cível Nº 70027683036, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 01/04/2009) (Grifou-se)
Trata-se de impasse complexo, que reclama clara definição em termos da legalidade da debatida prática, já que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, “o direito e o ilícito são antíteses absolutas – um exclui o outro: onde há ilícito não há direito; onde há direito não pode existir ilícito”, não se tendo, entretanto, até o momento, enfrentamento da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça (responsável pela uniformização da jurisprudência pátria, dentre outras competências).
Respeitada a relevância do debate, o escopo deste artigo, além de destacar a insegurança jurídica inerente à opção pela antecipação mensal da indenização em relações de representação comercial, restringe-se a oferecer alternativa preventiva que fulmine o constante risco de conflitos hoje vivenciado pelos envolvidos.
Propõe-se, assim, que, nos contratos de representação comercial, não mais se pratique antecipação de quantia alguma a título de indenização, substituindo-a pelo provisionamento dos correspondentes valores, mediante depósitos mensais em conta bancária com propósito específico para tanto.
Desse modo, ao se encerrar a relação, poder-se-á efetuar a ideal análise quanto à existência ou não de justo motivo a ensejar o pagamento do montante, com posterior efetivação do cumprimento da obrigação caso se mostre exigível, garantindo satisfação tanto à representante (impedindo que enfrente desamparo financeiro por súbito término da prestação dos serviços, bem como lhe conferindo certeza de distinção entre a sua comissão e o quantum indenizatório) quanto da representada (resguardando-a de despender expressivos valores não provisionados, bem como lhe possibilitando que, em não se configurando contexto que imponha a penalidade, restitua ao seu ativo empresarial a totalidade da importância antes indisponibilizada).
Medidas de advocacia preventiva, como a que se aborda no presente estudo, têm por objetivo proporcionar maior proteção aos clientes na gestão das suas atividades, identificando soluções viáveis para problemas correntes ou iminentes, evitando litígios e lhes agregando novas positivas perspectivas.
Advogado da área cível da Carpena Advogados