Um exemplo de como os fornecedores deveriam se comportar no mercado de consumo.

benditos sejam

Durante uma viagem a Florianópolis (SC), me chamou a atenção uma mensagem inscrita na porta de uma trattoria onde fui jantar. Trata-se de uma mensagem que, em suma, é uma verdadeira cartilha a ser seguida por todos os fornecedores de produtos e serviços que atuam no mercado de consumo. Fiquei tão positivamente surpreso com o seu conteúdo que a fotografei, como o leitor pode conferir na foto que ilustra este breve texto.

Transcrevo abaixo a referida mensagem, que diz o seguinte:

“Bendito sejam os meus concorrentes”

“Que me fazem levantar cedo e render mais o dia.

Que me obrigam a ser mais atencioso, competente e correto.

Que me fazem ativar a inteligência, para melhorar meus produtos e serviços.

Que me impõem a atividade, pois, se não existissem, eu seria lânguido, incompetente e retrógrado.

Que não dizem minhas virtudes e gritam bem alto meus defeitos e assim posso corrigir-me.

Que quiseram arrebatar-me o negócio, forçando-me a desdobrar para conservar o que tenho.

Que me fazem ver em cada cliente um homem a quem devo servir e não explorar, que faz de cada um meu amigo.

Que me fazem tratar humanamente meus vendedores, para que se sintam parte da minha empresa e assim vender com mais entusiasmo.

Que provocaram em mim o desejo de superar-me e melhorar meus produtos.

Que por sua concorrência me converti em um fator de progresso e prosperidade para o meu país.

Salve concorrentes, eu os saúdo… Que o Senhor lhes dê vida longa.”

Após ler e reler a mensagem, a primeira reflexão que me veio à mente foi: como seria bom se todos os empresários tivessem tamanha consciência das responsabilidades envolvidas em um negócio, principalmente em relação ao sujeito que os sustenta – o consumidor!

Tudo chama a atenção nessa verdadeira “cartilha do bom atendimento”, mas destaco três questões relacionadas imediatamente ao consumidor:

1. Ser atencioso, competente e correto;

2. Enxergar cada cliente como um homem a quem devo servir e não explorar, que faz de cada um meu amigo; e

3. O desejo de superação e consequente melhora dos produtos oferecidos.

Os objetivos em referência se destacam porque hoje o consumidor brasileiro enfrenta, exatamente, dentre outras, essas três mazelas no mercado de consumo: (i) muitas vezes não merece a atenção do fornecedor, seja porque este é incompetente ou desatento, (ii) é constantemente explorado pelo fornecedor e (iii) em muitas ocasiões, consome produtos e serviços ruins.

Quanto ao primeiro ponto, o cotidiano demonstra que, em muitas ocasiões (aliás, quase sempre) o consumidor é tratado como verdadeiro gado arrebanhado pelos fornecedores; é um mero número no rol de consumidores de muitos fornecedores. Ser atencioso, competente e correto não é a primeira preocupação da maioria dos fornecedores brasileiros. Senão, o que explicaria os quase 50 milhões de processos em curso no Judiciário brasileiro, em que se discutem questões de consumo? Ademais, o Código de Defesa do Consumidor se ancora no princípio da boa-fé, sendo que ser correto está relacionado aos deveres de probidade do fornecedor, que se desdobram no dever de ser transparente e respeitar a confiança que o consumidor deposita nos produtos e serviços que lhe são oferecidos.

No tocante ao segundo ponto, deve ser considerado que o consumidor é um sujeito com interesses legítimos; é um ser humano que tem necessidades diárias, inclusive relacionadas com sua própria sobrevivência (alimentação, saúde, moradia etc.). Daí decorre o dever do fornecedor de tratá-lo com humanidade. Antes de serem partes numa relação negocial, isto é, por trás das ficções jurídicas o consumidor e o fornecedor são homens, e assim devem se enxergar. Contudo, nas relações de consumo, exsurge a necessidade de o fornecedor aguçar essa visão em relação ao consumidor, na medida em que este é a parte vulnerável na relação de consumo. Portanto, a qualidade de vida do consumidor deve ser levada em conta pelo fornecedor no momento em que se lança a empreender. Um dos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º do CDC) é exatamente a melhoria da qualidade de vida do consumidor.

Em relação ao terceiro ponto, é dever jurídico do fornecedor garantir que os produtos e serviços que coloca no mercado de consumo padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Isto está disposto no art. 4º, inciso I, alínea d, do CDC, e está relacionado, exatamente, com uma das missões do fornecedor. Adiante, o art. 8º do CDC enuncia que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”. Ou seja, deve o fornecedor se esforçar ao máximo para melhorar seus produtos e serviços, porquanto esses bens possuem função social.

Ve-se, portanto, que aquele fornecedor catarinense, ao menos em relação ao que consegui perceber, desempenha bem a missão a que se comprometeu, e que está diretamente relacionada aos deveres jurídicos impostos pelo Código de Defesa do Consumidor. Pelo que percebi é um empresário que exerce sua atividade harmonizando seus interesses com os interesses de seu público consumidor. Isto é, há harmonia na relação de consumo (art. 4º do CDC) e a livre iniciativa é exercida dentro dos princípios da ordem econômica (art. 170 da CRFB/1988).

Por fim, registro o fato de que só vi a mensagem quando estava saindo do lugar, e por isso pude perceber que a “missão” com a qual se comprometera o dono do negócio é de fato cumprida por ele. O atendimento, a comida, a música, a atmosfera do lugar, enfim, o ambiente, sob todos os aspectos, estava delicioso. Os empregados trabalham bem humorados, demonstrando satisfação em estar ali e servir os clientes. Em resumo, encontrei naquele restaurante tudo o que se espera de um serviço de excelência. Cada centavo gasto (ou melhor, investido) naquela noite valeu a pena, pois, tão bom quanto poupar dinheiro é gastá-lo bem.

E para os empresários que lerem este breve texto, fica a dica: se esmerando para ser o melhor, todos saem ganhando. Conquista-se consumidores satisfeitos; o negócio vai bem para o empreendedor e o consumidor gasta seu dinheiro feliz.

Vitor Guglinski – Advogado. Especialista em Direito do Consumidor

Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país