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Juízo de valor pelo Delegado nos crimes fiscais: um caso concreto

A coluna de hoje se trata de um caso concreto no qual, ao relatar o inquérito policial, tive que me deparar com a análise do procedimento administrativo fiscal da Fazenda Estadual diante de suposta prática de sonegação de ICMS de uma sociedade empresária especializada em distribuição de combustíveis, que deveria ter declarado determinado valor na nota fiscal como substituto tributário, no entanto declarou dolosamente valor menor, consequentemente para recolher menos imposto.

A sociedade foi autuada, não pagou o valor restante declarado pela fazenda, nem a multa. Iniciado o procedimento administrativo fiscal a sociedade foi notificada por edital para se defender, posto que a sociedade foi encerrada e seus sócios não foram encontrados nos endereços declarados na Secretaria de Fazenda pelo ato constitutivo da mesma.

Após o prazo para defesa do contribuinte, no procedimento administrativo fiscal, foi gerado a guia de recolhimento do tributo. Como o valor não foi pago, este foi inscrito na dívida ativa do Estado. A guia foi gerada em 20/06/2004 e a inscrição na dívida ativa foi realizada em 30/10/2005.

O raciocínio para o crime previsto no caso em tela é o mesmo para qualquer das tipicidades previstas no art.  da Lei8.137/90, por se tratarem de crimes materiais. Estes crimes são materiais, e, utilizando-se de um raciocínio de resultado naturalista, interpretação nativa da teoria do crime do Código Penal pátrio, a conclusão, que se deveria chegar seria a de que o delito somente se consumasse quando ocorresse a efetivo prejuízo ao erário, ou seja, com a não arrecadação do tributo, como resultado de uma conduta dirigida a este fim.

No entanto, a jurisprudência efetivou raciocínio diverso ao resultado comumente naturalista dos crimes materiais e atrelou o conceito de dano nos crimes contra a ordem tributária a um resultado normativo.

Foi neste sentido de resultado normativo que o STF sedimentou sua jurisprudência através da súmula vinculante 24, cujo resultado material destes crimes, exigiu não o prejuízo ao erário, mas o exaurimento do procedimento administrativo fiscal oriundo do não pagamento do tributo, culminando no lançamento definitivo do crédito, momento consumativo do crime, in verbis:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. , incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antesdo lançamento definitivo do tributo.”

Neste sentido, ao contrário do que se espera da consumação nos crimes de resultado naturalístico, fato é que a súmula vinculante definiu outro marco consumativo para os crimes contra a ordem tributária, não sendo, portanto, considerado consumado o art.  da Lei 8.137/90 quando do prejuízo à fazenda, mas por um conjunto de atos administrativos, que me parece denotar tratar-se de uma condição objetiva de punibilidade, erigida à uma elementar normativa do tipo, incidindo a regra prevista no art. 111I do CP:

“Segundo a Súmula Vinculante 24, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, nos delitos do art. I aIV, da Lei 8.137/1990, é a data do lançamento definitivo do crédito tributário. No presente caso, não há que se falar em prescrição retroativa, uma vez que não transcorreu o decurso de 04 (quatro) anos entre a constituição definitiva do crédito e o recebimento da denúncia, ou entre os demais marcos interruptivos. É antiga a jurisprudência desta Corte no sentido de que os crimes definidos no art.  da Lei8.137/1990 são materiais e somente se consumam com o lançamento definitivo do crédito. Por consequência, não há que falar-se em prescrição, que somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111I, do Código Penal. (…)” (ARE 649120, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Decisão Monocrática, julgamento em 28.5.2012, DJe de 1.6.2012)

Fica a pergunta: quando se caracteriza o lançamento definitivo do tributo no ICMS, já que cada tributo possui uma forma de lançamento distinto? Como é o lançamento (definitivo) que constituirá o surgimento do crédito tributário, consequentemente, do tributo, elementar normativa dos tipos penais previstos nos incisos do art.  da Lei 8.137/90, conforme decidiu o STF, verbis:

“De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo penal, este só se configura quando se configure a existência de tributo devido, ou, noutras palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível. No ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do tipo não depende de juízo penal, porque, dispõe o Código Tributário, é competência privativa da autoridade administrativa defini-lo. Ora – e aqui me parece o cerne da argumentação do eminente Relator -, não tenho nenhuma dúvida de que só se caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária exigível, quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando sobrevenha cunho definitivo ao lançamento. (…) E isso significa e demonstra, a mim me parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem natureza predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o lançamento, não se tem obrigação tributária exigível. (…) Retomando o raciocínio,o tipo penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso, não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal.” (HC 81611, Voto do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005)

A toda evidência, que considerando o entendimento do STF, e seguindo sua orientação majoritária, bem como vinculante, é forçoso concluir que devamos analisar o elemento normativo “lançamento definitivo do tributo” nos socorrendo da legislação tributária sobre o tema, em espécie, considerando, portanto, a orientação da Corte Cidadã que faz a interpretação de lei federal, cuja orientação, aplica-se ao caso concreto, por se tratar de precedente que trata de lançamento por homologação, consoante se extrai do verbete de súmula 436 do STJ:

“A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer providencia por parte do Fisco”.

Não olvidamos de que o lançamento, pode ser provisório, quando ainda há possibilidade de alteração e definitivo quando não há mais a possibilidade de alteração. É justamente com base nesta perspectiva que podemos concluir que se o próprio Código Tributário Nacional confere a possibilidade de revisão de ofício ou por provocação do sujeito passivo, de acordo com o art. 145, o mesmo dispositivo utiliza a expressão“regularmente notificado”, o que mais uma vez nos traz a ideia das duas fases do lançamento tributário, uma provisória e outra definitiva, já que a notificação só é possível antes da constituição definitiva do crédito tributário, admitindo, consequentemente, o crédito tributário só é constituído através desse lançamento em definitivo.

Analisando, por conseguinte, o surgimento do crédito tributário e o procedimento administrativo, a constituiçãodefinitiva, por força do cotejo dos verbetes 436 do STJ e 24 do STF, posso concluir que o lançamento definitivo do ICMS e sua “homologação” (para efeitos penais) definitiva no procedimento fiscal da Fazenda Estadual se dá com a geração da guia para o pagamento ao final do devido processo legal, que começa com o auto de infração, defesa do contribuinte, que no caso não houve impugnação, acarretando o lançamento definitivo em 20/06/2004, conforme fls. 16; 43; 62; e 83 dos autos e não da inscrição da dívida ativa em 30/10/2005.

A inscrição em dívida ativa é mera formalização unilateral do título executivo extrajudicial para efeitos processuais civis e iniciar a constrição patrimonial dos bens do devedor, não se confundindo com o lançamento definitivo do crédito, que se caracteriza materialmente pela coisa julgada administrativa.

A diferença é crucial para o caso em tela, porquanto a prescrição pela pena em abstrato dos crimes do art.  da Lei8.137/90 é de 12 anos, e em julho de 2016 este lapso temporal que fulmina o poder de punir já estaria perfeito e acabado, por força do art. 109III do CP.

Diante deste caso concreto, é necessário se analisar em casa Estado como o procedimento administrativo fiscal se dá, bem como, se o devido processo legal segue as regras do Código Tributário do Estado em matéria procedimental, juízo de valor este, que obrigatoriamente deve ser observado pelo Delegado de Polícia em seu relatório de inquérito policial, haja vista que adoto o entendimento doutrinário de que não subsiste no Estado Democrático de Direito, consoante dispõe a Lei 12.830/13, a característica da unidirecionalidade do inquérito policial, resquício do autoritarismo do sistema inquisitorial que não sobrevive a uma visão crítica do papel do Delegado como garantidor dos direitos fundamentais.

Fonte: Canal Ciências Criminais

Canal Ciências Criminais

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FONTE:  http://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/360353335/juizo-de-valor-pelo-delegado-nos-crimes-fiscais-um-caso-concreto?utm_campaign=newsletter-daily_20160712_3690&utm_medium=email&utm_source=newsletter